domingo, 29 de março de 2009

Sr. Sebastião Paiva: um século dedicado ao próximo

Cidade faz contagem regressiva para aniversário de 100 anos do ‘batalhador da solidariedade’, que será no dia 8

Olhar sereno, corpo franzino, cabelos brancos e já um tanto ralos. A expressão da face enrugada de Sebastião Paiva dificilmente se altera, esteja ele triste, esteja contente. Prestes a completar 100 anos, demonstra uma disposição de fazer inveja a muitos jovens. Tudo bem que seu andar já não tem aquela agilidade do passado e a visão não possui o mesmo alcance de antes. Ainda assim, “tio” Paiva não consegue parar um minuto sequer. É um batalhador incansável da solidariedade. Se pudesse, tal como uma ave que protege os filhotes recém-nascidos, acolheria todos os pobres, necessitados, flagelados, desabrigados e desamparados sob o calor de suas asas. No próximo mês, ele completará 100 anos de vida, dos quais 80, pelo menos, dedicados aos pobres e miseráveis. Sebastião Paiva nasceu em Bebedouro, em 8 de abril de 1909.

Foi registrado no município de Viradouro, filho do seleiro Andalécio Paiva e da dona de casa Rita Godoy Paiva.Aos 8 anos, ficou órfão de pai (vítima de tuberculose) e passou a conhecer a miséria de perto. “Quando criança, eu não brincava. Nunca tive esse privilégio.
Precisava ajudar minha mãe a colocar comida em casa”, conta.
Rita sustentava os filhos lavando roupa para fora e o pequeno Sebastião auxiliava tirando água do poço, buscando e entregando as peças de casa em casa.
“Antigamente, a vida era muito difícil. Não havia entidades para atender os necessitados”, comenta.Como ele próprio admite, os anos de privação serviram para despertar no íntimo de Sebastião um desejo incontrolável - logo nele, que é um homem tão contido - de ajudar ao próximo. “Houve um tempo em que cheguei a pensar em me tornar padre para poder me dedicar à caridade”, conta.
Naquela época, Paiva ainda não havia entrado em contato com a doutrina kardecista. Na verdade, era um católico fervoroso. “Eu ia a todas as missas e rezas que havia na vizinhança”, garante. E ia descalço, já que não tinha dinheiro para comprar calçados.
“Às vezes, penso que eu poderia ter ficado revoltado, mas não fiquei, talvez porque eu fosse muito novo e não conseguisse entender direito o que se passava à minha volta”, diz.
Quando adulto, embora já tivesse uma percepção mais clara da realidade que o cercava, Sebastião preferiu trilhar pelo caminho da serenidade ao invés de se rebelar.

A vida de Sebastião mudou de maneira drástica em 1928, ano em que teve a oportunidade de ler a obra “Do Calvário ao Infinito”, de autoria do espírito Victor Hugo e psicografada pela médium Zilda Gama. “Aquele livro me impressionou.

Falava de sofrimento, caridade, amor ao próximo e reencarnação”, relata. Naquela época, ele já trabalhava como prático de telégrafo na Estrada de Ferro São Paulo/Goiás.
Antes disso, havia sido ajudante de serviços gerais em uma fábrica de macarrão em Viradouro. “Eu fazia de tudo, desde carregar sacos de farinha até colocar as massas para secar ao sol”, explica.Já naquele tempo, Sebastião tinha o costume de ajudar esporadicamente os necessitados, prática esta que foi se tornando mais e mais freqüente, a ponto de se tornar sua razão de viver. “Houve vezes em que até cheguei a cogitar a possibilidade de me casar e constituir família. Aos poucos, porém, essa idéia foi se afastando, na medida em que passei a me dedicar aos pobres”, afirma. Em meados dos anos 30, já como funcionário da Companhia Paulista de Estradas de Ferro (a Paulista), foi transferido para Dois Córregos (73 quilômetros de Bauru), onde atuou como telegrafista. Paiva resolveu, então, dedicar-se ainda mais à caridade. Em parceria com o colega de trabalho Angelo Ricca, mais conhecido como Tito, passou a recolher donativos de casa em casa (comida, roupas, remédios), que depois eram distribuídos aos moradores carentes da cidade. Mais tarde, os dois conseguiriam adquirir um imóvel onde instalaram um asilo para idosos, conhecido como “Tito Paiva” (a instituição funciona até hoje). Em 1942, porém, a vida de Sebastião teria uma nova reviravolta, após ele ser transferido de função na Paulista (passou a controlador de tráfego de trens). “Fiquei meio triste por deixar para trás aquela obra que havíamos começado. Mas, pensando bem, vi que a mudança seria boa, pois Bauru (sua nova casa) era uma cidade maior e tinha mais necessitados precisando de ajuda”, pondera.
Seu raciocínio estava coberto de razão.
Nas décadas que se seguiriam, Paiva teria a chance de transformar a vida de milhares necessitados na cidade. Pessoas que talvez estivessem condenadas a vagar nas sombras por toda sua existência, mas que puderam ser resgatadas a tempo, graças à generosidade de uma alma iluminada.FestaNas próximas semanas, o filantropo Sebastião Paiva enfrentará uma maratona de comemorações referentes ao seu centésimo aniversário.

Sr. Paiva - (Jornal da Cidade - Rodrigo Ferrari) - 29/03/2009

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